Casos de intoxicação por metanol expõem riscos de bebidas adulteradas e fragilidades na fiscalização

Casos de intoxicação por metanol expõem riscos de bebidas adulteradas e fragilidades na fiscalização

O metanol é um produto químico industrial presente em fluidos anticongelantes e limpadores de para-brisa. Altamente tóxico, não se destina ao consumo humano.

O atual surto de intoxicações chamou a atenção das autoridades porque, diferentemente de casos anteriores — geralmente associados ao uso deliberado em contextos de abuso de substâncias —, desta vez os episódios ocorreram em bares e envolveram diferentes tipos de bebidas, como gim, uísque, vodca e outros destilados.

Como a substância foi parar nas bebidas?

Ainda não está claro se o metanol foi adicionado propositalmente a bebidas falsificadas para aumentar o volume, ou se houve contaminação durante o processo de produção. Até o momento, indícios apontam para adulteração intencional.

Embora pequenas quantidades de metanol possam aparecer em bebidas fermentadas, como cerveja e vinho, concentrações elevadas em destilados representam um grave risco à saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a adulteração de bebidas é prática comum em produções informais, que podem chegar até bares regulares, muitas vezes com embalagens falsificadas.

Mercado ilegal em expansão

Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que o mercado ilegal de bebidas alcoólicas movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil em 2023, aumento de 224% em relação a 2017. A sonegação fiscal chegou a R$ 28 bilhões no mesmo período.

As atividades ilegais incluem falsificação de marcas, contrabando, produção artesanal sem fiscalização sanitária e sonegação fiscal. Também cresce a prática conhecida como refil, que reutiliza garrafas de marcas legítimas para vender bebidas adulteradas. Em 2023, mais de 1,3 milhão de garrafas desse tipo foram apreendidas.

De acordo com especialistas, a falsificação se aperfeiçoa com a baixa fiscalização, a ponto de criar produtos praticamente idênticos aos originais, vendidos a preços mais baixos, mas sem qualquer garantia sanitária.

Fiscalização fragilizada

A fiscalização se tornou mais limitada após a suspensão do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), implantado em 2008 pela Receita Federal e desativado em 2016 sob alegação de altos custos de manutenção.

Embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha determinado sua retomada, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão em 2024, considerando que o sistema apresentava “inadequações técnicas”. Atualmente, o controle é feito principalmente por selos fiscais nos destilados.

Crime organizado no setor

A Polícia Federal abriu investigação para apurar se as bebidas adulteradas foram distribuídas para outros estados. Relatórios do FBSP indicam que facções criminosas como PCC e Comando Vermelho, além de milícias, têm atuado no comércio ilegal de bebidas como forma de diversificação de atividades ilícitas.

Contrabando de vinhos pelo Rio Grande do Sul, entrada de destilados pelo Paraguai e adulterações feitas em território nacional fazem parte do esquema.

A fiscalização depende da atuação conjunta da Anvisa, Polícia Federal, Receita Federal e forças de segurança estaduais e municipais, responsáveis por combater a produção, distribuição e venda de bebidas ilegais no país.